Mais Fatos e
Menos Propaganda – A verdade sobre os Médicos no Brasil
Texto de: João Paulo Gonzaga de Faria é médico, residente em Genética Médica no Hospital das Clínicas da UFMG
Uma tentativa de breve texto para elucidar a realidade dos Médicos no Brasil.
No dia 06 de maio deste
ano, o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, anunciou a intenção
de “importar” (termo utilizado) 6 mil “médicos cubanos” para trabalhar em
“áreas carentes” do Brasil, sem exigência do “Revalida”. O argumento utilizado
foi que existe carência de médicos no país, e gerou-se o embrião de mais uma
crise dentre as várias outras que atingem o governo federal atual.
“Médicos cubanos”,
“Revalida”, “áreas carentes”, termos que vêm sendo usados exaustivamente na
mídia, que tentarei explicar o contexto o qual eles pertencem.
Os parágrafos
seguintes dispõe de alguns números que podem parecer um monte de dados, mas
estão dispostos de forma sucinta para que cada um possa tirar suas próprias
conclusões.
Primeiramente, o Brasil
dispunha, em outubro de 2012, de 388.015 médicos, sendo que em um
ano (entre outubro de 2011 e outubro de 2012) formaram-se 16.277 novos médicos, conferindo um aumento
anual de 4.36%.
De 1970 até 2012, a
população brasileira aumentou 101.84%, enquanto o número de médicos aumentou 557.72%, cinco vezes mais.
O número de faculdades de
medicina no Brasil cresceu 82% nas duas últimas décadas, chegando a 167 no ano de 2007, levando o
país para a segunda posição mundial em número de cursos de
graduação na área, perdendo apenas para a Índia, que possui 222 cursos para uma população
de mais de 1 bilhão de pessoas. A China e os
EUA possuem, respectivamente, 150 e 125 faculdades de medicina.
O Brasil dispõe de 2,0 médicos por 1.000
habitantes, segundo o último senso de demografia médica do Conselho Federal de
Medicina, sendo 1,01 na região Norte, 1,2 no Nordeste, 2,67 no Sudeste, 2,09 no
Sul e 2,05 na região Centro Oeste. No Distrito Federal, berço do governo, a taxa
é de 4,09 médicos por 1.000
habitantes, a mais alta do país.
Mantendo o ritmo atual de
formação de profissionais, o Brasil atingirá 500 mil profissionais daqui a sete
anos (em 2020) com uma taxa de 2,41 médicos por 1.000
habitantes, semelhante à atual taxa americana.
Porém, a OMS recomenda 1.0 médico por 1.000 habitantes. Olhando apenas
pelos números, estamos duas vezes acima do recomendado, e prontos para alcançar
(e ultrapassar) os americanos em 07 anos.
Ainda assim, não há médicos
em muitas regiões do Brasil, especialmente as carentes, e por carentes não
pensem em uma aldeia no Acre, pois em regiões metropolitanas de grandes
metrópoles também não se encontram profissionais. E reforçando, o Brasil forma 16.277 novos médicos por ano atualmente. Então, por quê
há carência de médicos?
Salário? Muitos já ouviram
falar de salários de R$ 30 mil oferecidos para médicos no interior do Pará, ou
R$ 15 mil de uma cidade no interior de algum estado do sudeste.
Pois bem, tais salários
oferecidos não dispõe de direitos trabalhistas, leiam-se férias, 13º
salário e quaisquer outro direito que qualquer trabalhador brasileiro tem. Não
existem garantias ou contratos. A maioria é verbal e o médico é o único responsável pelas vidas
daquela região. Você toparia perder uma mãe e um filho em um parto, por
R$30 mil?
Se topasse, você também não
receberia R$ 30 mil. As prefeituras que oferecem salários extremamentes altos
geralmente honram apenas o primeiro mês, as vezes o segundo, e atrasam e/ou
simplesmente não pagam os meses seguintes. Em uma média aritmética de um atraso
de quatro meses, o salário real cai para 25%. Como não existem contratos,
garantias, direitos trabalhistas, fica tudo por isso mesmo.
Não menos importante, falta
infra-estrutura. Não estamos falando de ressonância magnética ou
medicina nuclear, e sim de um
ultra som para fazer pré natal, exame de sangue e raio x para diagnosticar
pneumonia, remédios básicos para trata-la e, o mais importante, outros profissionais da
área de saúde.
Médico não trabalha
sozinho, os vetos do ato médico estão aí pra provar. Não fazemos partos ou
cirurgias sem enfermeiras, não sabemos fazer fisioterapia, não sabemos
estimular crianças com dificuldades ou necessidades especiais, dietas para
tratar diabéticos ou obesos. E obviamente, a única coisa que sabemos sobre
higiene bucal é escovar os dentes.
A imagem do médico sozinho
carregando a própria maleta na porta de uma casa é uma realidade de uma época
que a medicina não conhecia nem sabia tratar nada do que ela tenta cuidar hoje.
O governo conhece toda essa
realidade, e os médicos também.
Por isso os médicos estão
propondo, há dez anos, uma solução para, pelo menos, as garantias
trabalhistas, apresentando ao governo federal um plano de concurso público com
carreira de estado para os médicos, nos moldes dos que ocorrem com
juízes, que teriam estabilidade e garantia de carreira para se fixarem no
interior com suas famílias.
Porém, após dez anos, a
solução subitamente emergencial apresentada pelo governo,
segundo os fatos, foi a importação imediata de médicos estrangeiros,
cubanos ou não, para suprir a carência destes profissionais. Nenhuma vírgula foi dita
sobre maiores ou melhores investimentos no SUS e em sua infra-estrutura ou
sobre os outros profissionais da área de saúde.
Mas, para um médico
estrangeiro trabalhar no Brasil, este precisa antes fazer um examechamado Revalida, que é uma prova de
conhecimentos médicos para avaliar se o conteúdo adquirido em outro lugar do
mundo é suficiente à realidade brasileira. Apesar do corpo humano ser o mesmo,
o ambiente difere, e muito, de um país para o outro. E é dele que contraímos as
doenças. Febre amarela, por exemplo, é muito conhecida pelos médicos na região
norte do Brasil. Agora pergunte para um argentino, americano, europeu, ou mesmo
um gaúcho. Não é uma doença comum nessas regiões, assim como nelas existem as
mais comuns. E há o idioma. Existe uma diferença entre saber o que é uma dor epigástrica e um bucho doído. O índice de reprovaçãonas últimas provas do
Revalida atingiram 92%.
Para driblar o possível
imbroglio que uma reprovação em massa poderia causar, o governo criou outra
solução, e literalmente driblou o Revalida. Os médicos que
estão aportando no paísnão precisarão fazer a prova e
terão um registro profissional provisório, que não existe e não está previsto de
existir nos Conselhos Regionais de Medicina. Não é como uma Carteira Nacional
de Habilitação Provisória, onde há um limite de erros para você não perdê-la.
Quanto à remuneração,
ofereceram bolsas de R$10 mil reais, chegando a R$30 mil reais em regiões
inóspitas.
Perceberam o termo “bolsa”?
Por que não “salário”? Simplesmente porque os médicosnão terão direitos trabalhistas, e se permanecerem menos
de três anos, terão de devolver o dinheiro. Qual o nome de trabalho
sem direitos e de graça, caso alguém desista?
Sabe-se que o governo
federal irá pagar R$511 milhões para Cuba, pelos médicos cubanos,
porém o governo
brasileiro não sabe quanto será repassado ao médico cubano. O salário de um médico
cubano, em Cuba, é de aproximadamente R$60,00 (sessenta reais).
Os cubanos são os únicos
que irão para o interior, carente de infra- estrutura, simplesmente porquê eles
não dispõem de opção de escolha, também conhecida como liberdade.
E, finalmente finalizando,
4.000 cubanos? Isso aumentaria a taxa atual de médicos no Brasil de 2,0 para apenas 2,02 por 1.000 habitantes, sem alterar mais nenhum
aspecto o sistema público de saúde.
Com uma conta matemática
simples e não eleitoral, ao final de 2014, sem os médicos cubanos, a taxa de médicos
no Brasil já seria de 2,08 por 1.000 habitantes (com os 16.277 novos
formandos anuais) e os R$511 milhões poderiam ser investidos, com folga, em
hospitais, outros profissionais e, tão importante quanto e tão aclamado nas
manifestações, educação para, quem sabe, os futuros
governos saibam fazer contas básicas em vez de eleitorais.
João Paulo
Gonzaga de Faria é médico, residente em Genética Médica no Hospital das
Clínicas da UFMG
Fontes:
WHO
– World Health Organization;
Conselho Federal de Medicina. Demografia Médica do Brasil, volume 2, 2013.